É bem provável que o desfecho seja diferente, mas o caso dos 33 trabalhadores soterrados a 700 metros da superfície, após o desabamento de uma mina no deserto do Chile, me fez lembrar de uma tragédia ainda mais grave: a dos marinheiros do Kursk. Para quem não recorda, o Kursk era um submarino nuclear russo que, no dia 12 de agosto de 2000, afundou no Mar de Barents, a 108 metros de profundidade. Sabe-se que 23 dos 118 marinheiros sobreviveram a uma explosão e esperaram por horas o resgate em meio ao breu e ao ar rarefeito. Mas o descaso das autoridades russas (comandadas por Vladimir Pútin, um homem de pouco apreço pela vida alheia) fez com que esse resgate nunca chegasse. Como deve ter ocorrido com os russos, acredito que em algum momento os chilenos devem ter imaginado que seriam enterrados vivos. Que aquele espaço exíguo onde se refugiaram acabaria se tornando um esquife coletivo, uma vala comum onde repousariam por toda a eternidade.
O fato é que tanto a tragédia russa quanto o acidente chileno são efeitos colaterais da busca humana pela superação dos limites físicos, empreendida nos pontos mais extremos do planeta, e até fora dele. A inquietação da espécie é o motor da civilização, e ela existe desde aquele momento primordial em que um hominídeo se armou de um osso para se proteger do inimigo. Vale lembrar que, mais de um século antes dos dois acontecimentos, Jules Verne já havia imaginado um veículo capaz de descer às profundezas da zona abissal (em 20 Mil Léguas Submarinas) e descrito uma peregrinação científica rumo ao umbigo do planeta (em Viagem ao Centro da Terra).
Protagonistas dos dois romances, Capitão Nemo e o Dr. Lidenbrock são fruto de uma era de utopias, o século 19, quando se imaginava que o surgimento e o domínio de novas tecnologias levaria a um mundo mais próspero e pacífico, com mais pessoas vivendo em condições dignas. O século 20 veio em seguida e tratou de sepultar essas utopias. Se por um lado nunca houve tantos avanços tecnológicos quanto nos últimos 100 anos, por outro nunca se matou tanto quanto no mesmo período, em muitos casos com o auxílio desses mesmos avanços. A culpa, em todo caso, não é da tecnologia, mas do uso que se faz dela. É a tecnologia que provavelmente vai retirar aqueles homens barbudos e extenuados lá de baixo, assim como foi a falta de disposição para usá-la que não deu aos marinheiros do Kursk a mesma oportunidade.
2 comentários:
Triste constatação... Confesso que temo pelos humores da terra, que, "se se retarem" podem derrubar o resgate a qualquer momento... O Chile anda meio "atormentado" ultimamente... Eu me livro das de lá mas caio nas de cá, como te disse no post da violencia de Salvador... e olha que vc não falou dos engarrafamentos e suas violências! mais beijos
Também tenho medo, mas acho que eles se livram dessa. O Chile sofreu muito, e merece sua redenção. Gosto muito daquele país, e mais ainda dos seus vinhos. Aqui a coisa é mais complicada.
bjs
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