Hoje baixei o disco A Revolta dos Dândis, do Engenheiros do Hawaii, grupo que adorava na adolescência e cujas canções não escutava atentamente havia muito tempo. Coloquei para tocar no carro, ouvi os versos, de uma ingenuidade comovente, e tentei me lançar de volta ao passado. Retroceder até o rapaz de 17 anos que chegou com o vinil de capa amarela nas mãos, pôs o disco no som da sala do apartamento dos pais, apagou a luz e se deixou arrebatar por frases como “nós não precisamos saber para onde vamos, nós só precisamos ir”. Algo se descortinava ali, embora não soubesse exatamente o quê. Talvez uma ânsia por novas paragens, uma inclinação pelo existencialismo empírico contido naquelas canções ou quem sabe uma valorosa sensação de cumplicidade.
Em 1987 o mundo parecia em suspensão. Vivíamos uma espécie de fim da história, para usar a expressão de Francis Fukuyama. Um limbo sem sobressaltos geopolíticos: a Guerra Fria já deixara o auge e se encaminhava silenciosamente para a derrocada, e por aqui os anos de chumbo já haviam dado lugar a um arremedo de democracia. Impossível cultivar utopias ou partir para o desbunde – nossos pais e irmãos mais velhos já tinham passado na frente e vivido tudo isso. Enquanto Humberto Gessinger falava em “americanos e soviéticos”, nós (eu pelo menos) ainda acreditávamos no socialismo como a única via. Não sabíamos, obviamente, que o Muro de Berlim implodiria dali a dois anos e o império vermelho, dali a quatro. Enfim, havia uma convulsão silenciosa em curso, e não imaginávamos o quanto nossas escolhas ideológicas, ainda tão incipientes, já eram anacrônicas.
Tento lembrar em vão o que pensei ali no sofá, no escuro, enquanto meus pais assistiam TV no quarto da televisão. Recordo apenas que acalentava o desejo de me tornar um cantor de rock, embora me faltassem voz para cantar, ouvido para tocar e cara de pau para me apresentar em público sem esses requisitos. Era um garoto que como outros amava Legião, Engenheiros e RPM, seduzido por versos como os de Infinita Highway, recheados de referências ao universo beat, que já então se prefigurava como uma válvula de escape literária em meio ao marasmo e ao dilacerante sentimento de inadequação. A dúvida era o preço da pureza? Não faço idéia. Ingênuo até os ossos dos dedos dos pés, eu apenas me embebia de dúvidas enquanto buscava certezas, e evidentemente não me sentia preparado para a vida adulta.
O mais estranho de tudo isso é perceber como essas reminiscências são vívidas, frescas e próximas, como uma tela ainda por terminar. Como se o rapaz de 17 fosse vizinho de porta do homem de 40 e se vissem todo dia, quando o primeiro fosse para a escola e o segundo, para o trabalho. Nada como um velho clichê – no caso, o “parece que foi ontem” – para denotar a sensação de proximidade. E nada como um verso de Gessinger para deixar evidente que o tempo, afinal, praticamente não alterou o que eu sou na essência: “um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, que não passa de ilusão”.
8 comentários:
Porra, Paulão, primeira vez que entro no seu blog. Impossível parar de ler ao ler o primeiro parágrafo. É o chamado "lead miserê", kkkk.
Parabéns, Jovem!
Obrigado, meu velho. Bem-vindo ao blog e apareça mais vezes.
abs
Deve ser bom ser ainda seu próprio vizinho. Eu já perdi de vista a que amava os Beatles e os Rolling Stones...
Mas, na essência, talvez você seja a mesma, Socorrinho, só que com algumas camadas de conhecimento, frustrações e perdas por cima.
bjs
Acho que no meu caso, a adolescente de 17 não é só vizinha de porta da mulher de 40, não. Elas moram na mesma casa. rsrs Principalmente quando ouço as músicas que ouvia naquela época. Às vezes fico sem saber se isso é bom ou ruim....
Beijos,
Oi, Karla
Não é bom nem ruim, é apenas a verdade. O fato é que 20, 30 anos é um tempo muito curto, um quase nada, que passa como um susto. E de repente nos vemos numa idade que não corresponde à nossa percepção. É assim que a gente envelhece.
beijo.
I eu tava lá!!!
rsrsrs
I era mais besta que vc!!!
rsrsrsrs
É, estávamos juntos nessa.
bjs
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