Há alguns meses, um amigo dos tempos
de jornalismo em São Paulo me fez um excelente convite: escrever um livro. Em
parceria com um colega, ele criou uma editora de e-books para publicar obras
que, pelo que entendi, pensam o Brasil atual sob um ponto de vista regional e
com abordagens das mais diversas. Já estão sendo produzidos trabalhos sobre
temas que vão da cena cinematográfica do Recife aos black blocs em São Paulo.
Ele queria que eu escrevesse um ensaio sobre a relação paradoxal entre as
letras do cancioneiro axé (que exaltam a alegria sem fim de viver em solo
baiano) e os índices avassaladores de violência no estado (que hoje possui uma
das maiores taxas de homicídios do país).
Agradeci muito a oportunidade, mas
declinei do convite. Mal consigo atualizar este blog, que vive à míngua com
dois ou três textos a cada mês. Não conseguiria dar conta, dentro de minha
rotina atual, de um projeto tão interessante, vasto e exaustivo, além do fato de
ser um tema que não domino. Não acompanho – nem me interesso – pela produção
artística baiana de massa. De qualquer modo, expliquei a ele que o conceito de
felicidade eterna, onipresente nas canções dos artistas de Carnaval dos anos
90, vem dando lugar a algo mais grosseiro e desesperançado. Hoje, sobretudo no
meio do pagode, muito enraizado nas classes populares, há um culto à
sexualidade exacerbada, com letras preconceituosas e profundamente violentas. É
como se a coisa toda tivesse desandado e a música refletisse isso, esse estado
de coisas brutalizado.
Mas a verdade é que a proposta me
deixou com uma ponta aguda de saudade, e é sobre isso que eu queria falar. Da saudade
de duas paixões que aos poucos fui abandonando pelo caminho: a literatura e o
jornalismo. O delírio de juventude no qual projetei a mim mesmo como um Scott Fitzgerald da virada do milênio se esvaiu na realidade dos anos e, de certa forma, esbarrou na falta de
talento e de profissionalismo para a lida diária com as palavras. Escrever
demandaria um sacrifício pessoal que eu não estava, nem estou, disposto a
enfrentar. Talvez por isso, o romance que comecei há 11 anos, aproveitando um
curto período de solidão e paz financeira num hotel em Fortaleza, permaneça
inacabado. Gostaria de retomar as cento e poucas páginas de Puppy, que possui
alguns momentos de boa literatura, mas nem sei como o homem de 43 anos
dialogaria com o de 32 que deu forma àquelas páginas. De vez em quando releio alguns capítulos,
me animo, mudo alguns trechos. Mas em seguida ele volta às profundezas do oblívio
digital.
Já o jornalismo foi sendo aos poucos
massacrado pelo cotidiano estressante da redação, do mais do mesmo, da labuta
diária com seus plantões insuportáveis, pautas desinteressantes e,
principalmente, salários aviltantes. Mas sinto uma imensa saudade do ambiente
em que me movia como um leão na savana. Era o meu habitat. Como repórter de
cultura e crítico de cinema, tive a oportunidade de entrevistar algumas das
personalidades mais interessantes da produção artística brasileira e, com bem
menos frequência, estrangeira. Gente como Silvio Tendler, Hector Babenco, José
Eduardo Agualusa, Juan Gelman, Constantin Costa-Gavras, Fernando Meirelles,
Walter Salles, Marcelo Piñeyro, Paulinho da Viola e muito mais. E também pude escrever sobre
escritores, cineastas e compositores fundamentais na minha trajetória.
Como os próprios jornais impressos,
todos esses nomes parecem pertencer a um mundo em extinção, do qual sou um dos sobreviventes.
O jornalismo como o conhecemos caminha para se tornar um fóssil. Se antes
formava opiniões, hoje é guiado por elas. Virou uma gigantesca imprensa marrom,
com raras e muito honrosas exceções. Como um náufrago que pulou fora antes do
navio ir a pique, observo tudo de longe, incapaz de vislumbrar a chegada do resgate.
Ficam as reminiscências, a busca quase sagrada da palavra perfeita, o prazer de
escrever pequenas obras-primas de três ou quatro laudas encurraladas pelo
dead-line. Obras-primas que, na semana seguinte, se reduziam a uma lembrança
esmaecida na mente de meia dúzia de impávidos leitores.