A primeira sensação que tive ao saber que ia ser pai foi um
certo desespero. Estava com quase 30 anos e numa situação profissional incerta,
sem trabalho fixo, tendo voltado a morar em Salvador após os anos de faculdade
em São Paulo. Naquele momento, nem lembrei que costumava dizer que queria ter
um filho no ano 2000, numa época em que o ano 2000 ainda estava bem longe, assim
como os 30 anos, e minha juventude beirava a eternidade. Mas ali estava o fato,
inapelável. No entanto, três dias após a notícia, a sensação já havia mudado:
passou a ser de uma ternura muda, como se alguém me cantasse um acalanto
baixinho no ouvido. Essa ternura se intensificou quatro meses depois, quando a
médica que fazia a ultrassonografia – uma senhora que nos transmitia uma imensa
serenidade – disse: “Olha só, é uma menininha”. Lembro de, bem nesse instante, ser
invadido por uma sensação úmida, cálida e aconchegante, como um banho morno após
um dia intenso de trabalho. Minha filha.
Escolhi seu nome muitos anos antes do seu nascimento, ainda
no colegial, quando ouvi pela primeira vez, numa aula de história, o nome de
uma antiga cidade da Mesopotâmia. A sonoridade da palavra me encantou, e decidi
que minha filha teria o mesmo nome da capital do império assírio, que abrigou a
primeira grande biblioteca criada pela humanidade. A mesma cidade que, segundo
a Bíblia, Deus pretendia destruir e para a qual mandou Jonas, responsável por avisar
aos seus habitantes sobre a catástrofe iminente – e que hoje é apenas um sítio
arqueológico no norte do Iraque, composto de ruínas provocadas pelo tempo e por
bombas norte-americanas.
A princípio, minha filha seria a primogênita de uma prole
que teria ainda outros nomes insólitos, cultivados durante a adolescência.
Acabou sendo a única a vir ao mundo povoar de encanto a minha vida. Seu
nascimento promoveu em mim uma pequena hecatombe interior, proporcionando uma transformação
radical no modo como encarava a vida. Meu egocentrismo inato deu lugar a um
altruísmo meio sem jeito, a uma descoberta do outro através dessa outra parte
de mim mesmo. E também precisei enfrentar a dificuldade de adaptação às
obrigações sociais e profissionais da idade adulta para sustentar a família,
como fazem homens e mulheres desde os tempos mais remotos.
Imaginava que me tornaria escritor um dia. Um romancista nos
moldes de, sei lá, Scott Fitzgerald. Escrevi dois ou três livros de poesia,
outro de contos autobiográficos e a metade de um romance, mas minha obra maior –
feita em parceria e a única a ser “publicada” – acabou sendo aquele ser humano
frágil e assustado, que vi pela primeira vez pelo vidro da maternidade. Um ser
humano que no decorrer dos últimos 12 anos foi aos poucos ganhando a forma de uma jovem mulher, de cabelos longos e castanhos, sorriso largo, olhos inquietos, corpo esguio e
harmonioso. Mas, principalmente, uma jovem mulher íntegra, amorosa, com uma
generosidade e um senso de justiça e lealdade que quase sempre me surpreende.
Há muito de mim nela, assim como há muito da mãe, o que me
tranquiliza. Não gostaria de legar a minha filha os meus titubeios e o meu
desnorteio perene – embora ela tenha herdado de mim a incompreensão diante das
equações, operações e expressões numéricas que compõem o ensino de matemática. De
certa forma, começo a perceber que um ciclo está se encerrando. Sem traumas ou
rupturas, a infância se despede dela, deixando (inclusive em nós, pais) um
sentimento de missão cumprida, de que os 12 primeiros anos de sua existência
foram vividos em plenitude. E que venha o futuro.
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