segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A bela da tarde

Chove sobre a cidade. Minha filha brinca se escondendo sob caixas de papelão e nós dois ouvimos – com níveis distintos de atenção – um Baden Powell solitário dedilhar canções eternas. Adoro dias de chuva. Adoro minha filha. Adoro ouvir Baden. Às vezes é preciso muito pouco para roçar a felicidade, mesmo que incompleta. Daqui a alguns anos o ser humano que mais amo, a quem contemplo neste instante, vai se aventurar no labirinto da adolescência, e sei que com ela virão frustrações, cobranças e doses maciças de insegurança, mas também as descobertas essenciais da idade adulta. Como eu mesmo provei: o sentimento de inadequação, o amor pelas mulheres e livros, o desespero com a própria finitude, o olhar sem medo para o futuro. Curioso: à exceção do olhar sem medo, tudo permanece. Ainda há muito do garoto de 16 no homem de 38. Continua chovendo. Vejo as perninhas torneadas de minha pequena saindo da profusão de caixas e me deixo levar pela beleza avassaladora do Rio das Valsas. O mar está tranqüilo. A dor do mundo inteiro é não saber que o mar está tranqüilo, e podemos navegá-lo.

Um comentário:

Flavia disse...

PSales, querido...
E eu que nem lembrava o quanto você pode ser poético. Coisa linda essa tarde de chuva.
Beijos e sucesso,
Flavia