quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Um sopro de insignificância
Você não vai encontrar o melhor de Philip Roth nos ambiciosos e intelectualmente prolíficos painéis da América pós-Segunda Guerra, reunidos em obras portentosas como Pastoral americana e A marca humana (muito embora esses sejam livros inesquecíveis, com sua narrativa caudalosa e seu acento fatalista). O estigma do gênio também está longe da verborragia escandalosa do superestimado O complexo de Portnoy, livro que o projetou como um enfant terrible da literatura norte-americana de origem judaica. Roth é, acima de tudo, um exímio criador de pequenas novelas que, em cento e poucas páginas, abrigam o que a humanidade tem de mais singular: a capacidade de refletir sobre a própria efemeridade. São livros como Homem comum, Fantasma sai de cena e, em menor medida, Animal agonizante. Além da obra-prima Patrimônio, na qual narra os últimos dias do pai, vítima de uma dessas enfermidades que levam um longo e penoso tempo do diagnóstico à pá de cal. Roth não se embrenha apenas nos desvãos da extinção propriamente dita. Seu tema mais caro é o que vem antes dela. É a decadência física que a mente não acompanha, o sentir-se menino numa carapaça decrépita. A exaustão com as doenças em cascata, cada vez mais graves e agressivas, que minam o que resta de prazer na existência. Aos 75 anos, no auge da maturidade intelectual, Roth sabe perfeitamente que nosso tempo sobre este planeta inculto e belo é exíguo demais, por mais que desafiemos o fim, como o fazem Niemeyer, Mindlin e Levi-Strauss. É doloroso acompanhar a deterioração do protagonista sem nome de Homem comum, seu dilaceramento silencioso, sua inveja irracional do irmão perfeitamente saudável e, por fim (embora o fim seja o início da narrativa), a morte repentina, estúpida, quase um sopro de insignificância. Há muito desse desespero mudo nas outras novelas, e em personagens como o safado Sabbath, de O teatro de Sabbath, e o culto professor destronado Coleman Silk, de A marca humana. No último ano, li ao todo seis livros de Roth, e reli Patrimônio. Cada centavo investido neles voltou devidamente para mim, só que para o cérebro em vez do bolso. Posso dizer que minha tentativa de compreender o mundo (que ainda continua irrisória) ganhou um forte alento nas suas reflexões e devaneios. Chorei algumas vezes, sorri em outras. Mas é o sentimento de vazio que permanece. A constatação de que quando a gente começa a entender o mundo, mesmo que de forma vaga, já é hora de dar adeus a ele.
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2 comentários:
uma porta do armário, com certeza, já se foi...
tenho sempre passado por aqui, pegando carona nas suas viagens... reflexivas, encantadoras.
bjs
Tô lendo "Homem Comum" dele, cheia de expectativas.
bj
Viveca
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