domingo, 28 de dezembro de 2008

Eu quero viver de brisa


Decidi que não moraria mais em São Paulo numa tarde muito quente de Outono. Me sentia deprimido e oprimido por aquela fornalha sem brisa (no Nordeste faz calor também, mas lá tem brisa, já dizia o velho Bandeira) e saí de casa torcendo para encontrar água – não água para beber: água para contemplar. Então caminhei atônito, descendo a Brigadeiro e chegando até a Sé, depois o Anhangabaú e por fim a São João. É claro que fiz o caminho errado (devia ter descido a Brigadeiro no sentido inverso, onde acabaria encontrando o Parque do Ibirapuera), já que não me deparei com água nenhuma, muito menos a que queria encontrar: a água do mar. São Paulo me deu muitas coisas, a maioria delas boa, mas não podia me dar o oceano, que aprendi a amar desde criança e que ficou mais forte quando o reencontrei em Jericoacoara, Torres, Trindade, Guaibim, Cabo Frio, Ponta Negra, Florianópolis, Boipeba, Bombinhas e muitos outros cantos. É um amor que não cessa, principalmente quando passo alguns dias junto a ele, como os últimos, caminhando pela areia no final de tarde, recebendo o vento forte no rosto e contemplando a vastidão de água revolta e verde se encontrar com o céu e os coqueiros. São Paulo é quase inabitável, mas aprendi a gostar dela, principalmente porque vivi lá meus anos de formação, cursando uma boa faculdade e conhecendo pessoas com interesses e talentos comuns. Alguns de meus melhores amigos estão lá, e gosto de revê-los no nosso templo sagrado: o Puppy, boteco na Paulista onde se encontram ótimas cervejas, ótimos provolones à milanesa e ótimas conversas. Tinha mais: adorava ir até a banca no domingo de manhã e comprar o Estadão, pesado, leitura para um dia inteiro, e depois comer um pastel com caldo de cana no feirão da Ceagesp. Ou me deliciar no Consulado Mineiro (na pracinha Benedito Calixto), no Mester (uma picanha esplêndida, que nem sei se ainda existe), no Bargaço (o do Arouche, que já acabou) e na Speranza (que continua ótima e lotada). Adorava ir até a livraria Cultura do Conjunto Nacional, hoje ainda maior e mais moderna, e depois descer a Augusta para pegar um cineminha no Espaço Unibanco. Mais tarde beber num boteco do Bixiga (já nos estertores, mas não tão decadente quanto hoje). O roteiro que listei acima não tem nada de original, e faz parte de um período muito específico: os anos de 1994 a 1998. É, obviamente, um roteiro afetivo, e o olhar retrospectivo carrega em nostalgia e ameniza a solidão muitas vezes sufocante que senti lá, longe dos meus pais. Foi em São Paulo que alcancei a maturidade (é esse o termo?) literária, passando a conhecer novos autores que hoje me são fundamentais. E, claro, a maturidade propriamente dita, já que não é fácil viver sozinho por tanto tempo mesmo com a ajuda do uísque amigo e das farras de faculdade. Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas faltava o mar. E nada como a imagem de minha filha catando conchas na areia, sob o céu já quase escuro, para ter certeza de que tomei a decisão correta.

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