sábado, 4 de fevereiro de 2012

Sonata de outono



Há alguns meses, li na revista Bravo uma reportagem sobre Caetano Veloso que citava uma teoria da psicanalista inglesa Mary Esther Harding. De acordo com Mary, a existência humana pode ser dividida do mesmo modo que as estações do ano. A primavera vai até os 21 anos. O verão, dos 21 aos 42. O outono vai dos 42 aos 63 e, a partir daí, só nos resta o inverno pela frente, que pode ser mais ou menos gélido e tenebroso, dependendo da maneira como o encaramos e do que o destino nos irá proporcionar.

Bem, de acordo com a divisão estabelecida por Mary Esther Harding, hoje é o dia em que abandono a temporada de verão para abraçar o meu outono particular. Daqui para a frente, a minha realidade será a de folhas secas na relva, de temperaturas amenas e de um olhar mais sereno e reflexivo sobre a minha condição de ser humano. Ou, como dizem os versos iniciais de Autumn in New York, canção de Vernon Duke imortalizada por Billie Holiday, é tempo de me preparar para enfrentar minhas aventuras e batalhas. Então, que sejam mais aventuras e menos batalhas.

A verdade, porém, é que o outono sempre esteve em mim. Gosto da cor que as folhas ganham quando começam a morrer ainda nas árvores, de um amarelo opaco pendendo para o vermelho vivo. Gosto dos céus tomados por nuvens, do vento frio que chega do oceano, da calmaria que vem depois da fúria. Poderia até dizer que esses meus 42 anos sempre foram assombrados por um sentimento de declínio que jamais se concretizou. Hoje, só desejo a mim mesmo um outono longo e sem sobressaltos, um tempo de colheita, que me lance sem medo ao inverno daqui a 21 anos. E, enquanto abro uma garrafa de vinho para comemorar o meu ingresso no ocaso, eu celebro a vida.

Como no poema de Whitman, eu quero sentir “minha expiração e inspiração, a batida do meu coração, a passagem de sangue e de ar através de meus pulmões. O odor das folhas verdes e de folhas ressecadas, da praia e das pedras escuras do mar, e de palha no celeiro. O som das palavras expelidas de minha voz aos remoinhos do vento. Alguns beijos leves, alguns abraços, o envolvimento de um abraço. A dança da luz e a sombra nas árvores, à medida que se agitam os ramos flexíveis. O deleite na solidão ou na correria das ruas, ou nos campos e colinas. O sentimento de saúde, o gorjeio do meio-dia, a canção de mim mesmo erguendo-se da cama e encontrando o sol”.

8 comentários:

Claudia Lessa disse...

Que texto sensível, Paulinho! Celebremos, então, a vida! Parabéns pelo seu outono. Vida longa!
Beijo,
CL.

Paulo Sales disse...

Obrigado, Lessinha. Sim, vamos celebrar a vida.
Um beijo.

Karla disse...

Realmente, até os 41 a sensação da saída do verão ainda assusta um pouco, mas, a partir dos 42 você começa a se acostumar em estar nos 40s, e vive de maneira mais serena, como o outono. Mas espero que o verão apareça de vez em quando, pra dar uma animada. rsrs. Beijos e parabéns novamente!!

Paulo Sales disse...

É verdade, Karlinha. Chegar aos 40 é se sentir olhando para o abismo. Depois vemos que ele não é tão fundo.
E é claro que o verão não vai sumir de vez. Preciso de um pouco de sol.
Um beijo.

ArmundoAlves disse...

Paulo,

Bem-vindo, pois, ao outono de, digamos, Miss Harding. Eu já estou nele há algum tempo e, de fato, o abismo não é tão fundo assim. Afinal, o outono é a soma da força e da claridade do verão que passou com a perspectiva do recolhimento e da introspecção do inverno que chegará. A gente tira de letra a saudade natural do verão e procura viver o mais intensamente possível, como se a inevitável chegada do inverno fosse demorar o máximo desejável. Um abraço. Ah, ia esquecendo, o post é de primeiríssima divisão, como sempre.

Paulo Sales disse...

Muito obrigado, caro Armundo.
Gostei muito das suas palavras também, principalmente dessa frase: "o outono é a soma da força e da claridade do verão que passou com a perspectiva do recolhimento e da introspecção do inverno que chegará". Acho que é isso mesmo, um caminho que, mesmo sem volta, tem lá seus encantos. Tratemos de aproveitá-los.
Grande abraço.

Tânia T. Rossari disse...

Muito bonito isso! Prazer de ler coisas boas e bem escritas!
Tânia

Paulo Sales disse...

Obrigado, Tânia. Apareça por aqui sempre que quiser.
Um abraço.