quinta-feira, 23 de maio de 2013

Filho temporão


Ao ver Mario Vargas Llosa falar com entusiasmo, no Programa Roda Viva, dos anos que viveu em Paris e Londres, eu percebi o quanto cheguei tarde ao mundo. É um sentimento que carrego há muito tempo, e que deixa entrever uma incômoda tendência à nostalgia, ao não-vivido, ao que convulsionou o mundo antes que eu pesasse sobre ele. A Paris e a Londres do escritor peruano não são as que conheci no início deste ano. Segundo ele, não existem mais a efervescência cultural e política que culminou nos protestos de Maio 68, a hegemonia dos grandes pensadores, a sensação de estar na capital do mundo. Vargas Llosa lembra, com um gostoso sorriso de desilusão, que as pessoas acreditavam em Sartre, liam Sartre e reverenciavam Sartre como se fosse um demiurgo visionário.


Hoje, a maioria das pessoas nem mesmo se pergunta: quem foi Sartre? E, ao me debruçar como faço agora sobre As Palavras, seu belo e sarcástico livro de memórias, acabo me sentindo como um soldado que se atrasou para a batalha e, quando chegou, encontrou apenas terra arrasada e corpos empilhados. Essa involuntária sensação de que sou um filho temporão de outra era faz um certo sentido. Afinal, onde foi parar o ideal socialista que Sartre tanto glorificou, mesmo sabendo das atrocidades cometidas por Stálin e sua turma vermelha? Onde foram parar a relevância das idéias, o poder de fogo dos grandes romances, as discussões inflamadas regadas a vinho ou cerveja? Sartre é extemporâneo, como eu sou (as comparações param por aí). A argamassa que deu forma ao século em que nascemos foi implodida para dar lugar a uma nova ordem mundial da barbárie. Substituímos as tempestades de fogo da Segunda Guerra pelos aviões lançados contra prédios. A batalha encarniçada e suja nas trincheiras pelo asséptico jogo de videogame que só causa dor aos que recebem as bombas.

Vargas Llosa diz que hoje a efervescência dos velhos tempos talvez possa ser encontrada em Berlim, para onde confluem milhares de jovens em busca de cosmopolitismo. Mais uma vez, percebo que cheguei tarde. Não sou mais jovem, ou pelo menos não sou mais suficientemente jovem para me hospedar em hostels e me integrar com gente do mundo todo, participar de passeatas por causas nobres, namorar uma menina do Nepal ou, sei lá, fumar haxixe com um pessoal da Nova Zelândia. Não sou mais mochileiro, nem leio mais Kerouac. Sou um recluso, um ermitão enclausurado na minha modesta torre de papel. Não é ruim, ressalto. Gosto dos vinhos na varanda, da leitura descompromissada, da companhia de minha família. Mas sinto falta de um pouco de passado. Das tertúlias em francês de que não participei, dos pensadores que não segui, das causas em que não me engajei. Enfim, sinto falta de crer em utopias, em vez de me lambuzar de silêncio e incompreensão.