terça-feira, 13 de dezembro de 2016

That’s all, folks!



Este blog está morto. Viveu uma agonia lenta nos últimos dois anos, sofrendo de inanição criativa. No primeiro trimestre deste ano ainda tentei reanimá-lo, em vão. Agora, oito anos e nove dias depois do nascimento, ele chega ao último suspiro. Dito isso, não queria abandoná-lo sem uma despedida digna. 

Afinal, foi neste lado do paraíso que eu pude desaguar minhas angústias, desvelar meus sentimentos, dissecar minhas perdas e conquistas. Um lugar acolhedor, onde fiz novas amizades e fortaleci antigas, escrevendo textos dos quais me orgulho e que dizem um pouco - talvez muito - de quem sou. É um legado valoroso, que poderá encontrar outras paragens em breve.

Ao ler as memórias do jornalista inglês Christopher Hitchens (Hitch-22), me deparei com a lista de perguntas relacionadas abaixo, conhecida como Questionário Proust, em homenagem ao autor de Em Busca do Tempo Perdido, que o respondeu duas vezes. As respostas de Hitchens são ótimas, e podem ser lidas neste link da revista Vanity Fair, que tinha como marca registrada aplicar o mesmo questionário aos seus entrevistados.  

Não tenho a estatura intelectual de Hitchens, muito menos a de Proust. Mas mesmo assim ouso encerrar em definitivo as atividades de Este Lado do Paraíso com o inventário de princípios abaixo. Uns um tanto prosaicos, outros um tanto bobos, e duas ou três coisas de algum valor. Vamos a eles:

P - O que você considera a mais profunda miséria?
A incapacidade do ser humano - eu incluído - de compreender o quanto a vida é efêmera e que deve aproveitá-la de maneira plena.

P - Onde você gostaria de viver?
A maior parte do ano em Paris. Um ou dois meses em Lisboa, uma ou duas semanas em Veneza e o verão em Salvador, para repor o estoque de dendê, brejeirice e malemolência.

P - Qual a sua ideia de felicidade terrena?
Uma conversa regada a bom vinho e boa comida ao lado de quem amo, inclusive quem está longe ou só na memória.

P - Diante de quais erros você se mostra mais indulgente?
Aqueles motivados por desespero.

P - Quais são seus heróis favoritos na ficção?
Na verdade estão mais para anti-heróis: Sal Paradise, Mathieu Delarue, Santiago Zavalita, Jake Barnes, Thomas Hudson, Florentino Ariza, Henry Chinaski.

P - Quais são seus personagens históricos favoritos?
Salvador Allende, Nelson Mandela, Rosa Parks, Chico Mendes, John Maynard Keynes, Anne Frank, Martin Luther King, Darcy Ribeiro, José Mujica, Dom Paulo Evaristo Arns e sua irmã, dona Zilda Arns. Provavelmente faltam alguns, vivos ou mortos.

P - Quais são suas heroínas na vida real?
Minha mãe. As mães pobres que perdem filhos para a violência policial ou o banditismo. Malala Yousafzai e as mulheres que vivem sob a opressão dos regimes radicais islâmicos. As avós da Plaza de Mayo. As putas do baixo meretrício. As vítimas de estupro e violência doméstica.   

P - Quais são suas heroínas na ficção?
A Maga, Úrsula Iguarán, Fermina Daza, Teresa e Sabina, Diadorim.  

P - Qual é o seu pintor favorito?
Dalí, Van Gogh, Da Vinci, Goya. Provavelmente faltam alguns.

P - E o seu músico favorito?
Miles, Coltrane, Monk, Dylan, Henri Salvador, Caetano, Renato Russo. Em outra ocasião, provavelmente faria uma lista diferente.

P - Qual a qualidade que você mais admira em um homem?
Altruísmo.

E numa mulher?
Altruísmo.

P - Sua virtude favorita?
Sensibilidade.

P - Suas virtudes que você menos aprecia?
Nenhuma. Não são muitas, na verdade.

P - Qual a sua realização de que você mais se orgulha?
Nínive.

P - Sua ocupação favorita?
Ler, viajar, ouvir música, beber vinho, ver o Flamengo jogar e conversar com quem gosto, não necessariamente nessa ordem.

P - Que outra pessoa você gostaria de ter sido?
Hemingway. Mas faria o possível para não estourar os miolos.

P - Qual a sua característica mais marcante?
Insegurança. Timidez. Ansiedade.

P - O que você mais valoriza em seus amigos?
A amizade.

P - Qual o seu principal defeito?
O comodismo.

P - Qual é o pior dos infortúnios?
Morrer com a sensação de que poderia ter feito mais.

P - O que você gostaria de ser?
Um músico, um surfista, um falcão.

P - Qual a sua cor favorita?
Todas, cada uma a seu modo.

P - Qual a sua flor favorita?
Cravo.

P - Qual o seu pássaro favorito?
Os que voam mais alto e mais longe.

P - Que palavra ou expressão você mais utiliza?
Vamos ver.

P - Quais são seus poetas favoritos?
Ferreira Gullar, Bertolt Brecht, Fernando Pessoa. Na verdade encontro mais poesia na prosa que nos versos.

P - Quais são seus nomes favoritos?
Nínive, Marcela, Heloísa, Álamo. Paulo também é um bom nome.

P - O que você mais detesta?
Ignorância e violência dividem o pódio.

P - Que personalidades históricas você mais despreza?
Hitler. Stálin. Pinochet. Nessa ordem.

P - Que personalidades contemporâneas você mais despreza?
Vladimir Putin, Bashar Al-Assad, o bando de líderes imbecis do Estado Islâmico, o bando de políticos de extrema direita da Europa, o bando de pastores vigaristas das igrejas evangélicas e, provavelmente pelos próximos quatro anos, Donald Trump. 

P - Que eventos na história militar você mais admira?
A história militar me envergonha, me revolta e me entedia.

P - Que dom natural você gostaria de possuir?
Voar.

P - Como você gostaria de morrer?
Não gostaria.

P - O que você mais detesta na sua aparência?
O cabelo.

P - Qual o seu lema?
A vida vale a pena.


quinta-feira, 31 de março de 2016

Aventura sensorial


Voltar a Hemingway é como voltar a um lugar onde fomos muito felizes. Conhecemos cada palmo do terreno: os diálogos soam familiares, aconchegantes, a narrativa provoca um prazer mais sensorial do que intelectual. É como se estivéssemos ali ao lado dos personagens, acompanhando seus conflitos silenciosos, seus ditos por não ditos, seus imensos icebergs submersos. 
Do Outro do Lado do Rio, Entre as Árvores não é um dos melhores livros do Papa, e sofreu muitas críticas quando foi lançado. Azar dos críticos. Reler as suas páginas é ainda mais prazeroso do que desbravá-las pela primeira vez. Saboreando os pratos suculentos, as bebidas que confortam os corações machucados, as paisagens arrebatadoras, hoje mais próximas de nós por conta da maturidade. 
Creio que devemos nos conceder esse tipo de prazer de vez em quando: voltar a certos livros como se volta a certas cidades.

"Meu pai e minha mãe viveram sob uma guerra. Meu avô e minha avó também. E também meu bisavô e minha bisavó. E assim por diante. Mas eu não. Sempre se diz que o esporte europeu por excelência é o futebol, mas isso é mentira. O esporte europeu por excelência é a guerra. Durante mil anos, na Europa, não fizemos outra coisa além de matar uns aos outros. E aí chego eu, e sou o primeiro, a primeira geração de europeus que não vive sob guerra. Não consigo acreditar. Há quem diga que tudo isso já passou, que uma guerra é agora impossível de acontecer entre nós, mas eu não acredito nisso... Veja este lugar aqui... eram pessoas como você e eu, morrendo aos milhares, feito cães, da forma mais asquerosa e mais indigna possível."

Javier Cercas, em O Impostor.