terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Brincadeira de amigos


Tenho a impressão de que os críticos levam Quentin Tarantino mais a sério do que ele mesmo. Seus filmes me parecem antes de tudo uma diversão inconseqüente, como um porre juvenil, ainda que uma diversão esteticamente vigorosa, calcada na reciclagem de lixo pop e nas releituras (ou paródias) de clássicos obscuros e cults de terror B. Levá-lo a sério é conceder a ele um mérito que não possui. A exceção, claro, é Pulp Fiction, no qual despontava a centelha de um autor capaz de criar diálogos inventivos e torcer a narrativa a ponto de deixá-la semelhante a um círculo. Depois dele, tudo que o cineasta produziu é exuberante, fantasioso, muitas vezes agradável e divertido, mas é só espremer um pouco e o que temos é o vazio.

Bastardos Inglórios flerta com o vazio o tempo todo, como Kill Bill e Jackie Brown também flertavam. Mas há, neste último, um verniz de sofisticação que tenta evocar uma aura de seriedade, como se Tarantino tivesse enfim abandonado a adolescência para colher os louros da maturidade. E existem momentos em que se vislumbra um cinema de adulto: a seqüência inicial é estupenda, com uma tensão latente que desemboca no mais cruel dos desfechos. Faz a gente pensar: rapaz, ele chegou lá? Mas aos poucos esse alumbramento cede lugar ao enfado. Não sou rato de videoclube para identificar cada tributo que o cineasta presta a seus mestres, e não acho que um filme deve se limitar a ser um rol de referências, uma brincadeira de amigos recheada de piadinhas que só os entendidos conseguem pescar.

O que vejo, com certo fastio, é mais do mesmo: a violência estilizada gasta pelo uso recorrente, temperada com diálogos espertos ou pretensamente espertos e enquadramentos que impressionam muito mas não expressam nada. Ao propor um final alternativo para a Segunda Guerra Mundial, Tarantino assume de vez a sua veia paródica, deixando claro que estamos assistindo a uma comédia de guerra, com personagens caricatos e piadinhas infames. Nada contra. Afinal, não foram poucas as comédias do gênero que assistimos durante décadas na Sessão da Tarde. Mas por que então tratar Bastardos Inglórios como uma obra maior de um cineasta idem? Não há nela nada que a aproxime de grandes filmes de guerra já feitos, como Glória Feita de Sangue, Apocalipse Now ou Além da Linha Vermelha, para ficar em três filmes que me vêm à mente espontaneamente. Sua narrativa banal mas cheia de estilo é um prato cheio para adolescentes, mas me deixou com fome. O massacre final, com closes do rosto de Hitler sendo aos poucos deformado pelas balas de metralhadora, soa como ódio em estado bruto, primário e sem sentido. Isso é sinal de maturidade?

4 comentários:

Paulo Cunha disse...

Meu caro,
Você escreveu exatamente o que eu penso do Tarantino. Sem acrescentar ou retirar nada. Mas, é claro, com o talento e a elegância peculiares do seu texto.
Eu continuo meio enfastiado, sem muita inspiração para escrever no blog - além de estar com trabalho suficiente para tomar meu tempo. De resto, como vai a vida? Um forte abraço.

Paulo Sales disse...

Bem-vindo de volta, Paulão. Sua ausência é sentida aqui e lá no Direto do Quarto. Mas também sinto esse fastio, embora tente manter o blog na ativa. Afinal, é minha válvula de escape.
Tarantino me cansa, embora reconheça virtudes em sua obra e me divirta com ela. Mas às vezes a frivolidade cansa, não?
Por aqui vai tudo bem. Bebendo um vinhozinho chileno nesta véspera de feriado.
Grande abraço, e apareça mais vezes.

Augusto Fernandes Sales disse...

Veja a minha opinião sobre o filme:

http://gatosmucky.blogspot.com/2010/09/bastardos.html

Abraço.

Paulo Sales disse...

Oi Augusto,
Fui lá e escrevi o comentário abaixo:
Temos opiniões bem diferentes com relação a esse filme, como você viu no meu blog. Tendo a concordar com o comentário do Yuri, acho uma alegoria boba, apesar de algumas partes interessantes, como o início. E o final é realmente de doer.
Mas é isso, cada leitura que se faz de um filme é válida, pois nos ajuda a repensar nossos conceitos.
grande abraço.