quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O gigante inerte




Quando eu cursava jornalismo em São Paulo, lá pelos idos de 1994, acompanhei a gravação de um programa na TV Gazeta (que ficava no mesmo prédio da minha faculdade) com o então candidato a presidente Lula. Lembro de ter ficado a uns três metros dele, observando-o tirar o microfone da lapela enquanto conversava com seus assessores. Quis me aproximar, dizer alguma coisa, apertar sua mão, mas a timidez falou mais alto. Na mesma época, eu e um amigo estávamos saindo de um cinema especializado em filmes de arte, perto da Av. Paulista, e nos deparamos com José Genoíno no saguão. Ficamos um tempo ali, a uns três metros de distância, observando um dos políticos mais queridos, atuantes e respeitados do Brasil enquanto ele conversava com amigos de um jeito simpático e descontraído. Pensamos em nos aproximar, dizer alguma coisa, apertar sua mão, mas novamente a timidez falou mais alto.

O PT perdeu as eleições presidenciais naquele ano. Amparado pelo êxito do Plano Real, Fernando Henrique começava ali o reinado de oito anos do PSDB, que rendeu uma série de melhorias significativas ao país, embora tenha decepcionado no aspecto social e na forma quase obsessiva com que rezou pela cartilha do neoliberalismo. Enquanto isso, Lula, Genoíno e outros petistas, como Aloísio Mercadante e Eduardo Suplicy, permaneceram incólumes como os portadores legítimos de uma utopia, a nossa utopia. Eram os caras que a gente queria ver no poder, para encarar de frente o abismo da desigualdade social, da educação em frangalhos, da saúde sucateada, dando um basta na corrupção sem freios, na politicagem mesquinha.

Dezoito anos separam 1994 de 2012. Hoje, o que o homem de 42 anos teria a dizer àquele jovem idealista de 24? Bem, a primeira coisa seria: não acredite em utopias, meu rapaz. Não existem mais ilusões. Agora o principal: o que eu teria a dizer a Lula e Genoíno hoje, se a timidez novamente não falasse mais alto? A primeira pergunta seria: onde foram parar o Lula e o Genoíno de 1994? Ou será que eles nunca existiram, eram apenas espectros projetados por nossos anseios em uma parede descascada? Ao observar imagens recentes de Genoíno, com seu semblante abatido, me sinto tomado por uma profunda desilusão. Bem ou mal, devemos em grande parte o estado democrático em que vivemos a pessoas como ele. Adianto que não estou aqui defendendo uma punição mais branda para seus delitos, que são graves, apenas tentando entender como uma trajetória tão elevada se deixou arruinar. Genoíno não tem a prepotência nem o perfil stalinista de um José Dirceu. Sempre foi um conciliador, um sujeito que acreditava no diálogo, um cara do bem, imaginávamos.

Com Lula, a situação me parece ainda mais séria. Seu governo foi, apesar de todos os equívocos, histórico. Daqui a cem anos, ele será lembrado como um dos estadistas que construíram o Brasil do século 21, para o bem e para o mal. Mas... que tipo de proveito Lula tirou ou está tirando de tudo isso? Como uma personalidade tão amada e admirada, dentro e fora do país, pode ser capaz de deliberadamente encardir a própria biografia de um modo tão vil? Que espécie de pragmatismo justifica uma aliança com Paulo Maluf ou um abraço em Fernando Collor? Nunca o velho ditado “diz-me com quem andas e te direi quem és” foi tão apropriado.

Esse sentimento de desilusão é nocivo. Estamos sendo tomados por um profundo ceticismo, por mais que o julgamento do mensalão represente um marco civilizatório na política brasileira, como se dissessem: isso aqui não é mais a Ilha de Vera Cruz. O fato é que, ao condenarmos o Genoíno de hoje, amassamos e jogamos fora o Genoíno de ontem, e com ele todas as nossas convicções, nossas utopias ingênuas, nosso ideal de um país viável. Perguntamos a nós mesmos: quem restou, com a digna exceção de personalidades isoladas e sem cacife político para chegar ao poder, como Marcelo Freixo? Ninguém. Habitamos um cemitério de ilusões, um deserto de idéias. O fruto disso tudo todo mundo sabe: um país que nada tem de cordial, embebido em dispersão, inércia e brutalidade. Um gigante que, ao contrário do que mostra a propaganda do Johnny Walker, permanece longe de despertar.

2 comentários:

Giovanni Soares disse...

Grande Paulinho. Tudo beleza? Em primeiro lugar, um ótimo 2013 para você e sua família. Rapaz, coincidentemente, eu estava aqui, em casa, em Barra do Jacuípe, refletindo sobre Genoíno. Eu trabalhei numa campanha para ele, em 2002, quando ele concorreu com Alckmin para o governo do Estado de São Paulo. Genoíno perdeu, mas o projeto era grande a ambicioso, pois Lula venceu e Mercadante foi eleito com votação expressiva: 10,5 milhões de votos. Logicamente, depois que a máscara cai, fica difícil encarar essa galera. Mas vamos em frente. Que nós, brasileiros, aprendamos alguma coisa com essas coisas. Parabéns pela análise. Muito bom. Forte abraço, Giovanni

Paulo Sales disse...

Obrigado, meu velho.
O que mais me impressiona, no caso de Genoíno, é que ainda tenho minhaa dúvidas quanto às reais intençōes dele. Mas sempre fui muito ingênuo.
Grande abraço.