terça-feira, 30 de julho de 2013

Meu amigo Raul




Hoje acordei com vontade de ouvir Meu Amigo Pedro, de Raul Seixas, provavelmente por ter assistido no sábado ao documentário O Início, o Fim e o Meio. E ao ouvir a canção, enquanto tomava o café da manhã antes de ir para o trabalho, me transportei quase de imediato para uma tarde quente e empoeirada de mais de 20 anos atrás, em algum trecho de uma estrada de Minas, numa das muitas viagens que fiz de ônibus nesse período. Umas quatro fileiras à minha frente, um rapaz ouvia músicas de Raul num velho gravador, que ecoavam por todo o ônibus, e era agradável passar o tempo ao lado delas. Uma das canções era justamente Meu Amigo Pedro, que lembro de ter ouvido pela primeira vez naquele momento. Estávamos em 1991 ou 1992, não sei precisar, e Raul Seixas tinha morrido poucos anos antes, embora se mantivesse vivo até demais naquele ônibus.

A idolatria em torno dele começava a tomar corpo, convertendo-o em um ícone profundamente identificado com as camadas populares. Suas músicas, mesmo as de significado mais obscuro, calavam fundo nos corações e mentes do Brasil profundo. Ao terminar de beber a vitamina e pegar a chave do carro, me veio à mente uma lembrança ainda mais remota (agosto de 1989, para ser mais preciso): eu e meu pai conversávamos na janela do quarto dele, na penumbra. Acabávamos de saber da morte de Raul, e eu me sentia triste. Meu pai, não sei se para me consolar ou apenas esboçando uma opinião pessoal, disse algo como: “A gente lamenta o fato dele morrer tão novo, mas não dá para dizer que era um grande artista, suas músicas não eram grande coisa”. Obviamente, meu pai, maturado por décadas no universo musical de Cartola, Silvio Caldas e Frank Sinatra, não perceberia em Raul uma voz capaz de lhe dizer algo de relevante.

O que fica evidente no filme de Walter Carvalho é que o roqueiro baiano não cantava para um público específico. Simples e sinceras, suas canções tinham alcance universal, daí uma canção como Ouro de Tolo fascinar tanto Caetano Veloso quanto o cara do ônibus que ia, sei lá, de Mariana para Barbacena. Isso fica bem claro na sequência do enterro de Raul, uma das mais comoventes do documentário. Aquela multidão de gente da periferia de Salvador cantando alto e chorando o fim do ídolo, do amigo barbudo e magricela que lhes falava ao pé do ouvido, abordando com simplicidade pungente (e ao mesmo tempo com profunda autenticidade e talento) temas como autoritarismo paterno (Sapato 36), amores não correspondidos (A Maçã), insanidade (Maluco Beleza), fé (Tente Outra Vez), elucubrações metafísicas (Gita) ou existências desperdiçadas pelas convenções sociais (Medo da Chuva).

Ponha uma música de Raul em qualquer baile de subúrbio ou numa festa da alta roda que a receptividade vai ser a mesma. Era o que eu percebia, um tanto emocionado, nas festinhas da faculdade em São Paulo ou, como já disse, nos ônibus interestaduais que cortam o Brasil. É uma das melhores maneiras de ser eterno.

3 comentários:

Giovanni Soares disse...

Bela lembrança, Paulinho. Esse filme sobre o Raul tem uma cena muito interessante quando o próprio artista baiano mostra a semelhança entre o rock e o baião. É fantástico. Viva Raul Seixas! Viva Luiz Gonzaga! Você tem toda razão quando diz que a obra de Raul é universal. E clássica. Em qualquer época, vai sempre dizer o que precisa ser dito. Forte abraço.

Paulo Sales disse...

Sim, meu velho, Raul era um mestre em fundir coisas aparentemente díspares, inclusive falar às massas recorrendo a elementos teoricamente complexos nas letras e a uma salada musical riquíssima. Até hoje o escuto com certa frequência, e o filme resgata o homem por trás da obra, o doidão generoso e autodestrutivo, que foi embora cedo demais.
Abração.

Socorro disse...

Toca Raul!!!!