quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Disparates


Às vezes me chega às mãos alguma edição passada da revista Veja, e costumo folheá-la de trás para frente, para conferir as críticas de cinema e uma ou outra matéria sobre literatura. No meio delas, encontro as colunas de Diogo Mainardi. Habitualmente, seu texto me provoca um ligeiro sorriso ou um pouco de tédio. Mas de vez em quando me espanta a maneira como ele – assim como outro colunista, Reinaldo Azevedo – personifica o reacionarismo sem escrúpulos da publicação para a qual escreve. Há muito tempo a Veja deixou de ser uma revista séria. Basta dar uma olhada nas pautas para entrever, entre as matérias culturais ou comportamentais, um veículo para desancar desafetos ou desqualificar tudo e todos que estejam direta ou indiretamente relacionados ao que se convencionou chamar de esquerda. Não que a esquerda seja um território habitado por vestais (não é) ou que as ideologias a ela ligadas sejam uma solução para as mazelas da civilização (o comunismo provou em definitivo que não são). E, como contraponto, vale lembrar que uma revista como a Caros Amigos, situada no espectro oposto da Veja, utiliza os mesmos artifícios e atinge os mesmos resultados risíveis.

Mas não queria falar da Veja. Voltando a Mainardi, li outro dia uma coluna antiga, de julho, na qual ele falava das impressões da escritora irlandesa Edna O’Brien sobre a sua viagem a Paraty para participar da Flip, onde participou de encontros com outros autores, incluindo aí Chico Buarque e Milton Hatoum. Edna detestou os dois, achou-os arrogantes e com pouca erudição. Daí Mainardi conclui: “Chico Buarque é o buzinador das letras: fon-fon. Ele está para a literatura assim como Dilma Rousseff está para as teses de mestrado. Ou assim como José Sarney está para Agaciel Maia”. Nunca li um livro de Chico Buarque. Das adaptações de seus romances para o cinema, vi apenas Estorvo, de Ruy Guerra, um filme que beira o insuportável. Não acredito que seja um grande escritor, e não pretendo conferir, embora pense que é impossível seccionar em compartimentos estanques a obra de um artista, mesmo que atue em frentes opostas (ou seriam complementares?). Por tudo isso, penso cá comigo: não seria um exagero tecer comparações tão esdrúxulas para afirmar que Chico Buarque é um embuste, uma fraude sem substância a enganar milhares de leitores ingênuos? Claro que é um exagero, que por sua vez embute uma necessidade imperiosa de nadar contra a maré, de desafinar o coro dos contentes. Mas o que dizer de um articulista que define como “basbaque” o estilo de Luis Fernando Verissimo? Mainardi é um dos muitos herdeiros de Paulo Francis que parecem não ter apreendido a essência do mestre. Já escrevi aqui no blog que Francis entrou para a história da imprensa brasileira não pela tendência a emitir de tempos em tempos opiniões descabidas e preconceituosas que minavam sua credibilidade. Mas sim por ter sido capaz de abordar temas espinhosos com um coloquialismo e uma autenticidade sedutores, além de ter escrito dois livros de memórias magníficos (O Afeto que se Encerra e Trinta Anos Esta Noite).

Mainardi tem de Francis o seu pior. Polemiza usando como armas argumentos imprecisos e sem fundamento, apesar da sua inegável erudição. É que talvez lhe falte o talento que sobrava no outro. Ironia sem substância acaba se resumindo a leviandade. Tenho em casa um de seus romances, Malthus, que li até a metade. Fraco. De qualquer modo, o que me incomoda em seus artigos não é o que ele publica, e sim o discurso das entrelinhas. Mainardi, me parece, não quer atingir Chico Buarque por aquilo que ele escreve, mas pelo que pensa: o autor de A Banda defende entre outras coisas o regime castrista de Cuba – algo abominável para Mainardi, e para mim também. Daí a chamá-lo de “buzinador das letras”? Para quem cresceu ouvindo Chico cantar – e ainda criança descortinava, mesmo que superficialmente, os sentimentos dilacerantes ocultos nos versos de Pedaço de Mim e Angélica –, esse epíteto soa como um mero disparate.

10 comentários:

João Luiz Peçanha Couto disse...

Mainardi é o lixo. Não perco meu tempo lendo o que ele comete.

Paulo Sales disse...

Concordo. Mas às vezes não dá para ignorar algumas sandices dele.
abs

Anônimo disse...

lembra do q o PT fazia quando estava na oposição? convenhamos era MUITO PIOR do q Mainard e Reinaldo Azevedo estão fazendo hoje. imagine se ainda estivessem vivos Nelson Rodrigues, Stanislaw Ponte Preta e o próprio Paulo Francis. vcs acham q estes 3 não iam jogar duro (no limite da deslealdade) com Lulla e o PT agora no governo????

Paulo Sales disse...

É provável que sim, caro anônimo. E acho até que deveriam mesmo jogar duro, pois este governo tem muitos defeitos que merecem ser apontados. Mas acima de tudo teríamos um debate com mais qualidade. Francis, Nelson Rodrigues e Stanislaw escreviam muito bem, maravilhosamente bem, e tinham idéias interessantes, que nos faziam refletir e repensar nossos conceitos. Esse é o papel de um articulista. O que vejo em Mainardi e Azevedo são apenas argumentos toscos e ofensas gratuitas, além de uma certa desonestidade intelectual.
abs

Anônimo disse...

acho q não. nelson era ofensivo ao extremo. chamava com todas as letras a esquerda de imbecil, "A Cabra Vadia", etc. discordo mas não há dúvida q Mainard e, em especial, Reinaldo Azevedo escrevem muito bem. confira. são desleais, levianos, fazem ofensas gratuitas? sem dúvida. mas como responder ao cinismo de Lulla e do PT de braços dados com Sarney e Collor? só sendo mais escroto ainda que Lulla e o PT

Paulo Sales disse...

Nelson era ofensivo, sim, mas havia criatividade e autenticidade nos textos e posições dele. Como em Francis, havia um certo enfado, um saco cheio do mundo no que ele escrevia, o que talvez explique as ofensas. Reinaldo Azevedo tem realmente um texto mais trabalhado, embora ache seus argumentos difíceis de engolir e suas críticas levianas. Já com relação a Mainardi eu discordo frontalmente. Acho um texto sem brilho, simplório, "basbaque" para usar as palavras dele. Tanto um quanto o outro me parecem peões a serviço de um pensamento monolítico, o da revista para a qual trabalham. E não acho que é preciso ser mais escroto que o governo para combater os seus erros. Mais lúcido, certamente. É o que percebo quando leio Clóvis Rossi, por exemplo.

Anônimo disse...

pô, mas o Clovis Rossi é um velho "cumpanhêro" da petezada. morde e assopra

Paulo Sales disse...

Que nada. Acho que ele está mais pra tucano - o que talvez explique esse morde e assopra.
abraços

Anônimo disse...

eu morei em SP em 1985 e conheci gente próxima a Clovis Rossi. ele fazia parte da turma de jornalistas famosos que sempre foram simpatizantes de Lulla e do PT. inclusive é compadre do Ricardo Kotscho, este petita ferrenho até hoje e mesmo com todas as ladroagens do bando. e engraçado é q agora a revista Veja não presta. mas em outras épocas quando a Veja reverberava o denuncismo do PT, alimentada pelos parlamentares do PT, com José Dirceu à frente, a Veja tinha credibilidade. estava a favor da transparência e da democracia. o Brasil precisa se livrar deste povo do PT

Paulo Sales disse...

Com relação a Clóvis Rossi, não é essa a informação que tenho. Trabalhei no Grupo Folha na década de 90 e lembro que lá ele era sempre citado como um simpatizante do pessoal do PSDB, FHC, Serra, esse pessoal. Mas mesmo se estiver enganado, o que é bem possível, continuo achando Clóvis Rossi um articulista lúcido, que não deixa de meter o dedo na ferida, mas também reconhece as virtudes do governo - que a meu ver existem em bom número (claro que você vai discordar). Mesmo com todos os problemas, acho que Lula faz uma gestão que privilegia uma parcela mais ampla da sociedade e dá continuidade ao bom governo (também apesar dos problemas) de FHC. Não precisamos nos livrar do PT, apenas devemos evitar que ele permaneça mais tempo do que deve no poder. Acho que 2010 pode ser essa oportunidade.
Quanto à Veja, mudaram - para pior - as pessoas que comandam a revista e há muito tempo ela deixou de ser uma revista séria, não por suas posições, mas pela forma como toma partido delas. O Estadão é também um veículo conservador, mas ali você não encontra molecagem. Como você vê, pensamos de forma muito diferente, mas acho este debate bem interessante.