segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A melancolia do fim



Na semana passada, um asteróide passou muito perto da Terra, chegando a ficar mais perto de nós do que a Lua, a apenas 325 km de distância. Do tamanho de um porta-aviões, o asteróide teria feito um estrago danado se caísse por aqui: poderia abrir uma cratera de 6,4 km de diâmetro e 528 metros de profundidade. E se tivesse caído no oceano, teria provocado um tsunami com ondas de até 21 metros. Nada, porém, que acabasse com a vida no planeta. Mas convém lembrar que uma chuva de meteoros é a hipótese mais aceita pelos cientistas para o desaparecimento dos dinossauros – e o percurso dos dinossauros pela Terra foi muito mais extenso do que a nossa humilde aventura pelo planeta, ainda em andamento. Daí que não devemos ficar tão tranqüilos quanto a uma vida eterna por aqui.

Quando a natureza se manifesta – e ela tem se manifestado com incômoda freqüência nos últimos anos – vemos o quanto é cruel. Terremotos e tsunamis varrem cidades inteiras, levando sem nenhum tipo de compaixão seletiva homens, mulheres e crianças. Não existe piedade, apenas o acaso brutal e sem sentido. A natureza do universo não é muito diferente e poderia, quem sabe, nos presentear com a aproximação de um planeta gigantesco na órbita da Terra. É o que se vê em Melancolia, a parábola niilista de Lars Von Trier sobre o fim do mundo. Não o fim do mundo como o conhecemos, mas o fim do mundo mesmo: a Terra sendo engolida por um astro muito maior, levando a tiracolo tudo que somos nós: mamíferos, aves, insetos, flores e algas marinhas, mas também oceanos, cordilheiras e florestas.

Não sei se foi essa a intenção de Lars Von Trier, mas Melancolia faz também uma crítica à incapacidade que temos de compreender nossa própria insignificância. Na primeira parte, um casamento caríssimo celebra um amor inexistente, que não se consuma nem se justifica. Na segunda, já com o planeta gigante se aproximando inexoravelmente, o que se vê é um microcosmo da humanidade encerrado num casarão isolado, à espera da morte ou de uma improvável redenção. Em dado momento, Claire (uma das duas principais personagens femininas, ao lado de Justine) se lamenta: “Mas meu filho não vai ter onde crescer”. É uma afirmação puramente egocêntrica, que não dá a medida do que a espera. Não é apenas um lugar onde o filho poderia crescer que será eliminado, mas sim o próprio significado das palavras “filho”, “onde” e “crescer”.

A destruição da Terra representaria, portanto, um fim absoluto. Não o meu ou o seu fim, mas o fim de toda uma concepção de existência, que gerou romances, sinfonias, enciclopédias, cidades e sonhos, mas também genocídios, massacres e muitas outras variações da barbárie (afinal, como diria Justine, “a terra é má”). Mas ainda estou sendo por demais antropocêntrico na minha avaliação: a Terra, ao longo de sua história, gerou muito mais maravilhas do que apenas a humanidade, que habita o seu epílogo. E quanto ao que veio antes de nós? E a saga dos seres unicelulares se reproduzindo e se perpetuando em ambientes inóspitos? E as sequóias desafiando a eternidade com seus dois mil anos de vida? E os próprios dinossauros, com a força bruta que os tornava invencíveis, como às vezes nós, humanos, julgamos ser? Seria, de qualquer forma, um fim melancólico e até injusto. Bem ou mal, mesmo com todo o caos e toda a violência, nosso planeta representa uma centelha de inquietação. Um clarão de som e fúria, em meio à monotonia eterna e escura de um universo que se expande em direção ao nada. 

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