segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O mesmo amor duas vezes



Outro dia, conversando com um grande amigo numa noite de domingo, em um barzinho de frente para o mar, ele me falou da impossibilidade de reviver um amor perdido e reencontrado. Havia desalento e alguma resignação em seu rosto, e ao ouvi-lo remoer as cinzas do passado e degustar o sabor amargo do presente, eu me lembrei de Scott Fitzgerald. Ou melhor: dos amores impossíveis dos contos de Scott Fitzgerald. Scott é sob qualquer aspecto um de meus escritores favoritos, e nem sei se gosto mais dos seus contos ou de seus romances. Ele canta a dissipação das grandes paixões, o hedonismo da era do jazz substituído pela melancolia da crise de 29, o desencanto de uma geração que teve – e perdeu – tudo.

No início do ano, eu retirei da estante o livro 24 Contos de Scott Fitzgerald, lançado há alguns anos pela Companhia das Letras com tradução de Ruy Castro (aqui tem uma resenha que escrevi à época do lançamento). Senti um prazer dolorido ao reler aquelas histórias de beleza cadente, fadadas inevitavelmente ao malogro, seja pelo poder destrutivo dos vícios (Scott legou o próprio alcoolismo à maioria dos seus personagens masculinos) ou pela incapacidade que temos de assumir um amor avassalador com toda a plenitude que ele exige.  

Há, em um dos contos, uma frase que talvez tenha provocado em mim a lembrança do livro enquanto conversava com meu amigo: “Há todas as espécies de amor neste mundo, exceto o mesmo amor duas vezes”. Para Scott, é inútil reviver aquilo que fomos um dia, até porque as pessoas mudam, as cidades mudam, os sentimentos mudam. Meu amigo deve ter plena consciência de que, no homem que ele é agora, há muito pouco do que ele foi há 20 anos. São, um e outro, estranhos que não se conectam nem se comunicam, separados por compartimentos estanques de memória e esquecimento.

O fato é que qualquer amor que resgatamos de um tempo até então enterrado e posteriormente exumado não é o mesmo amor de antes, embora também não seja um amor diferente. É como um morto-vivo, um zumbi de aparência ambígua, que nos sorri com uma face e nos amedronta com a outra. Cabe a nós escolher qual delas será revivida em nosso presente. E, se revivido, como ele pode conviver com aquilo que nós e o outro nos tornamos, incluindo aí casamentos, filhos, emprego, pressão social e certa letargia de ter que largar tudo isso para encarar uma aventura de êxito incerto.

Bem, em tempos de sexo casual e casamentos mais casuais ainda, talvez eu esteja me portando como um romântico tolo, falando de um sentimento em extinção. O mesmo sentimento que em outros tempos fez o jovem Werther do livro de Goethe abandonar a vida, inspirando na vida real muitos outros suicídios na Alemanha do século 18. Mas, naquela noite de domingo, eu percebi uma centelha, uma tempestade por trás da calmaria, como o silêncio que precede o ataque de um cachalote. Ali estava, à minha frente, uma manifestação inequívoca de amor em estado bruto. Desgastado pelo avanço do tempo, esmaecido por décadas de hibernação, mas nem por isso menos amor.  

6 comentários:

DAVID FRANCO disse...

Um dos seus melhores textos. Parabéns.

Paulo Sales disse...

Muito obrigado, meu velho. E aí vai a dica: leia Fitzgerald.
Grande abraço.

Karla disse...

Lindo mesmo! Muito bom saber que ainda existem pessoas que amam.....

Paulo Sales disse...

Valeu, Karla. Ainda bem, né?
Um beijo.

Marcos disse...

Bala, Paulao! Nao importa se é sobre violencia ou amor, vc sempre manda bem! Abs!

Paulo Sales disse...

Valeu, Pantikolo. Sua presença por aqui é sempre bem-vinda.
Grande abraço.