domingo, 27 de outubro de 2013

"Dorothy Hewitt conta que, há pouco tempo, no hospital, quando a incerteza era máxima e não sabia se morreria ou sobreviveria, não era medo o que sentia, mas sim um imenso vazio. Não dormia de noite e esperava com ansiedade a chegada da manhã. Como se a manhã fosse salvá-la. Passava as noites a olhar pela janela, à espera das primeiras luzes. Essa experiência de vazio de Hewitt é um tipo de emoção que surge quando o realismo se rasga e aparece no seu lugar o núcleo duro do essencial, a nebulosa do ser verdadeiro, a bruma da identidade profunda que é sempre estranha e estrangeira. Também a sensação de não ter dado o que tínhamos, nem ter sabido viver intensamente. Seguramente, Dorothy Hewitt esperava a chegada da manhã confiando que esta a ajudaria a cortar amarras com o vazio e lhe permitiria traçar passadiços, talvez mesmo procurar atalhos até ao núcleo incomunicável."

Enrique Vila-Matas, em Chet Baker Pensa na sua Arte.

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