quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O mais querido


Depois de quase sete anos no cargo, quando à exaustão do poder se soma o desgaste natural junto à população, é impressionante que Luís Inácio Lula da Silva continue alcançando índices de aprovação maciça à sua persona e ao seu governo. Sobretudo numa época sombria, de crise mundial já consolidada, com refluxo na atividade industrial e aumento do desemprego. Pela milionésima vez cabe a pergunta: o que esse ex-torneio mecânico e ex-líder sindical possui, além de um carisma pessoal avassalador e uma invejável capacidade de falar olho no olho com seus súditos, como numa conversa de bar? É simples: Lula tem competência e, principalmente, uma sensibilidade social genuína, ausente em todos os que vieram antes dele. Baixada a poeira do seu primeiro governo, terrível sob quase todos os aspectos, ele reviu a rota, tirou a água que invadia a proa e reconduziu o país à condição de nação emergente, e não em fase de submersão. Para isso, foi necessário limar o pendor autoritário e a corrupção institucionalizada como mecanismo de persuasão e manutenção do poder (ambos personificados na figura abominável de José Dirceu). Restou um governo razoavelmente eficiente, que tem como principal premissa a redução da brutal desigualdade social que assola o Brasil desde que ele atendia pela alcunha de Ilha de Vera Cruz. E há, obviamente, o fator Lula, que está acima do seu partido e do seu governo. Quando ele combate o spread e o excesso de juros nos bancos públicos, está na verdade corrigindo uma distorção histórica: bancos públicos não são empresas criadas com o objetivo primordial de obter lucro, e sim de oferecer crédito à população em condições menos adversas que os privados. Atitudes assim poderiam ser evitadas com o costumeiro empurrar com a barriga, por isso é tão louvável que ele as tenha. E mais: pode-se contestar o assistencialismo como um fim em si, mas num país de miseráveis ele é legítimo e necessário, simplesmente porque não se pode deixar alguém morrer por falta de conteúdo no estômago. Ignorar isso é sucumbir a um discurso elitista, cada vez mais patético em sua tentativa de desqualificar o dar o peixe, como se fosse possível ensinar quem não consegue se manter de pé a colocar a isca no anzol e lançar a linha. Lula é popular não porque usa o assistencialismo em benefício próprio (e usa), mas porque criou uma rede de proteção social que beneficia milhões de pessoas que jamais tiveram qualquer atenção por parte do Estado.
O assistencialismo é o grande diferencial do governo Lula, e reconheço que isso é muito pouco, embora existam aspectos positivos na gestão econômica, essencialmente desenvolvimentista, ao contrário do monetarismo que reinou nos anos FHC. Prefiro assim, mesmo morrendo de medo das conseqüências do PAC, que nos próximos dois anos vai ser usado à exaustão para alçar Dilma Roussef à condição de candidata viável ao Planalto. Na seara política o governo ainda peca pela profusão de negociatas e o aparelhamento dos cargos técnicos – resquício da herança stalinista no PT. E é claro que persistem a demagogia barata, o excesso de informalidade no trato diplomático, os equívocos na política externa (sobretudo no apoio aos tiranetes bolivarianos e no uso de pesos distintos ao tratar de quem nos pede asilo). Mas as virtudes são incontestes e – num país combalido por séculos de egoísmo e inapetência – muito bem-vindas.
Não sei se o PT deve continuar gerindo o país a partir de 2010. Talvez a alternância com o PSDB seja saudável, talvez não, embora essa alternância tenha sido responsável por uma reviravolta no panorama social, político e econômico brasileiro nos últimos 15 anos. Por outro lado, é sintomático que excrescências da nossa política (Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalhães, Joaquim Roriz etc) estejam saindo (ou já saíram) de cena, e que tenhamos hoje novas lideranças aparentemente capazes. Muito embora a minha geração não viva para ver um poder público livre da corrupção generalizada e do mau-caratismo em escala industrial. A eleição de 2010 será a primeira desde 1989 (ou seja, 21 anos) da qual Lula não participará diretamente. Sentiremos saudades? Não sei. Mas, para quem votou nele em três dos cinco pleitos que disputou, vai ser impossível não sentir uma ponta de nostalgia com a sua saída de cena, mesmo que provisória. E lembrar de um tempo em que Lula e o PT representavam a nossa reserva moral. Isso acabou. Vivemos tempos de pragmatismo, e não há espaço para invocações românticas. De qualquer modo, acho que esse pernambucano de Garanhuns vai entrar para a história como o presidente que conseguiu mitigar nossa miséria atávica, o que já é um feito e tanto.

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