sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

(Um pequeno grande texto de Borges)

Inferno, I, 32

Jorge Luis Borges

Do crepúsculo do dia ao crepúsculo da noite, um leopardo, nos anos finais do século XII, via umas tábuas de madeira, umas barras verticais de ferro, homens e mulheres cambiantes, um paredão e talvez uma canaleta de pedra com folhas secas. Não sabia, não podia saber, que ansiava por amor e crueldade e pelo ardente prazer de dilacerar e pelo vento com cheiro de veado, mas algo nele se sufocava e se rebelava e Deus lhe falou num sonho: "Vives e morrerás nessa prisão, para que um homem que conheço te olhe um número determinado de vezes e não te esqueça e ponha tua figura e teu símbolo num poema, que tem seu preciso lugar na trama do universo. Sofres o cativeiro, mas terás dado uma palavra ao poema". Deus, no sonho, iluminou a rudeza do animal e este compreendeu as razões e aceitou esse destino, mas só houve nele, ao despertar, uma obscura resignação, uma valorosa ignorância, porque a máquina do mundo é complexa demais para a simplicidade de uma fera.
Anos depois, Dante morria em Ravena, tão injustiçado e tão só quanto qualquer outro homem. Num sonho, Deus lhe declarou o secreto propósito de sua vida e de seu lavor; Dante, maravilhado, soube por fim quem era e o que era e abençoou suas amarguras. A tradição relata que, ao despertar, sentiu que tinha recebido e perdido uma coisa infinita, algo que não poderia recuperar, nem mesmo vislumbrar, porque a máquina do mundo é complexa demais para a simplicidade dos homens.

Um comentário:

Anônimo disse...

Por que nao:)