terça-feira, 23 de junho de 2009

Escapismo


Estava aqui pensando em tecer alguma analogia que fosse capaz de mensurar toda a sordidez que devasta a sociedade brasileira, tendo a classe política como ponto de partida – e possivelmente de chegada. Pensando na excrescência que é a figura de José Sarney, com seu bando de parentes espalhados por gabinetes alheios, seus discursos abjetos de falsa indignação e sua trajetória banal de homem público. Pensando também nas décadas de coronelismo estulto que levaram um estado miserável como o seu à derrocada quase irreversível. Derrocada que ele contesta, em artigo para a Folha de S.Paulo, comparando os indicadores sociais e econômicos desse estado aos das favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo, enxergando nisso – pasmem – algo de positivo.
Pensava, ainda, em como a corrupção se alastrou de tal maneira no nosso cotidiano, fazendo com que tudo ao entorno pareça maculado por uma ética excessivamente maleável, que nos permite, por exemplo, pagar propinas a esses criminosos que habitam os cartórios, amparados pelo conceito deturpado de funcionalismo público. Ou assistir novamente – esboçando apenas um resmungo exausto de quem trabalhou o dia inteiro – a mais um vídeo feito com câmera escondida, agora flagrando funcionários da Prefeitura de Curitiba ou algo assim recebendo dinheiro e sorrindo ao fazer piada com o 171, número do artigo penal que caracteriza o estelionato. Escroques petulantes, arrivistas e intelectualmente toscos, semelhantes aos que, ocultos sob a vaga definição de cidadãos de bem, encontramos de vez em quando em filas de bancos ou congestionamentos de trânsito. E, como resultado de todas essas notícias que nos bombardeiam como Napalm no Vietnã, brotam os questionamentos inevitáveis: o que fizemos de nós? O que vai ser de um país onde até a dissimulação deixou de existir para dar lugar ao despudor generalizado? Onde foi parar o que restava de cordialidade em nossas relações sociais hoje tão esgarçadas? Por que somos incapazes de mitigar o fosso social que arrasta nossas perspectivas de futuro rumo ao século 19?
Estava aqui pensando nisso tudo sem encontrar uma analogia minimamente adequada a tamanha aberração. Mas então escutei o Stradivarius 1713 de Joshua Bell desferir as primeiras notas da melodia da Serenade, de Schubert. E me senti invadido por uma melancolia estranha e, tal qual um leopardo de Borges, por uma obscura resignação e uma valorosa ignorância, que só as coisas que me emocionam profundamente são capazes de provocar. E, de olhos fechados e com embriões de lágrimas se formando neles, imaginei ingenuamente uma espécie de redenção vindoura para a humanidade, apesar de gente como José Sarney e seus marimbondos de fogo e todos esses que aí estão atravancando o nosso caminho. E acreditando que, como nos versos de Quintana, um dia eles passarão, nós passarinhos.

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