quarta-feira, 17 de junho de 2009

Nós só precisamos ir


Às vezes me pergunto por que a insatisfação com o lugar onde vivemos afeta tantas pessoas. O que queremos, afinal? Uma cidadezinha encravada nos Alpes suíços ou aos pés dos Pireneus? Uma casinha em frente à Lagoa da Conceição, em Florianópolis, ou numa vila mediterrânea, onde possamos sair de sandália para pescar ou navegar? Um apartamento no centro nervoso de Nova York, Paris ou São Paulo, perto de museus, lojas, parques, bares, restaurantes e muita gente? Penso que, por mais que cada um desses lugares (escolhi alguns que poderiam ser particularmente atraentes para mim) possua atrativos e vantagens inegáveis, sempre vai haver um vácuo, algo que produza em nós uma nostalgia melancólica do lugar de onde viemos e que abandonamos.

Li recentemente uma entrevista com a cantora Cassandra Wilson, na qual ela dizia que tinha o sonho de conhecer duas cidades do mundo: Havana e Salvador. Fiquei intimamente lisonjeado ao saber que moro num lugar onde uma das grandes cantoras contemporâneas de jazz (e não só ela) adoraria pôr os pés. Por que, então, sinto desejo de escapar daqui e dar adeus ao trânsito truculento, à violência desmedida e à miséria atávica? Por que, afinal, acredito que em algum outro lugar remoto eu posso ser mais feliz do que na cidade onde nasci? Não faço idéia nem mesmo se existe esse lugar, esteja ele nesta relação acima ou em qualquer outro canto.

Outro dia, meu melhor amigo, que mora com a família numa cidade pequena, acolhedora e segura do estado americano de Wisconsin, me confessou que anseia por um pouco de latinidade. Em outras palavras, por relações humanas menos gélidas, receitas culinárias com mais tempero e temperaturas menos inóspitas. É um desejo simples e pueril, e talvez por isso altamente valoroso, como o daquela canção recentemente apropriada pela torcida do Flamengo para se referir à volta do filho pródigo Adriano: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci”. E olha que no caso do meu amigo ir a São Francisco, Havaí, Big Sur ou Boston é como, para mim, ir ao Rio ou a Porto Alegre. Já um colega de trabalho, baiano que voltou a Salvador após vários anos morando em São Paulo, não conseguiu se readaptar à cidade e aceitou uma proposta para ir viver em Brasília. Como eles, há uma multidão desejando experimentar outros mundos que não o seu.

No meu caso, o que existe é o anseio de morar em outro país, de preferência europeu, de onde possa partir rumo aos extremos do continente e voltar para casa sem precisar enfrentar um vôo de 12 horas acima do Atlântico. Morar mesmo, apreciar a descoberta de uma comida desconhecida, me comunicar diariamente em outra língua, conhecer paisagens e pessoas estranhas, enfim, viver em constante estado de alumbramento e poder compartilhar esse alumbramento com minha filha. Se serei feliz lá? Quem sabe. Talvez até seja acometido pelo velho banzo que minava as forças dos escravos arrancados da África, pois é bem provável que corra em meu sangue um pouco desse sangue dos deserdados. Em On The Road, Jack Kerouac – ou melhor, seu alter ego Sal Paradise – afirmou que ele e seus amigos de estrada desempenhavam a única função nobre da sua época: mover-se. Não sei se essa é a única função nobre de uma época, qualquer que seja ela, mas certamente é uma delas, porque a necessidade de movimento permanece acesa em muitos de nós, 52 anos após a publicação do romance.

Um comentário:

Virgínia disse...

Talvez o comentário seja tardio, mas esse post me lembra a conhecida frase de Lennon, algo do tipo " me procurei em vários lugares, mas só me encontrei em mim mesmo". Não quis ver na internet a redação original, fiquei com essa minha interpretação... Virgínia