quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Banquetes para o espírito


Tem coisas que só a maturidade nos traz. O prazer de sorver um bom vinho chileno é uma. Degustar um gim inglês é outra. Fumar um charuto cubano é mais uma. Com Hemingway também é assim. Li O velho e o mar aos 15 anos e As ilhas da corrente e O sol também se levanta aos 20. Me pareceram modorrentos, sem alma, frios, e não entendia todo o culto dedicado ao escritor. Aos 28 voltei a ele: os livros – que já eram de segunda mão – agora bem mais amarelados. Descobri um mundo. Depois do Papa, meus ídolos de juventude (Kerouac, Bukowski, Salinger) viraram apenas isso: ídolos de juventude. Uma etapa tinha sido transposta. Apreciar Hemingway (a foto acima é da casa dele), exige um cérebro – e também um fígado – devidamente amaciado por anos de decepções, frustrações e realizações. Com o jazz ocorreu algo parecido. Até os 30 anos eu ouvia aquilo e nada acontecia. Como se fosse a voz de um javanês tentando se comunicar comigo. Mas então um dia, após um bom tempo pesquisando novas sonoridades, eu coloquei o Kind of Blue de Miles Davis no CD do carro. O javanês acabava de falar o meu idioma, e sem sotaque. Uma aventura sensorial e intelectual se descortinava à minha frente, numa combinação sem arestas de trompete, sax, baixo, bateria e piano, todos dialogando sem gritos, apenas com sussurros. Depois do jazz, o rock se tornou definitivamente o que já vinha sendo até então: música de adolescente. Desde 1990, quando o cheiro de espírito juvenil do Nirvana me desconcertou, nada mais me disse a que veio no mundo dos três acordes. Simplesmente não tenho paciência, embora ainda adore o Creedence e vez por outra acorde com vontade de ouvir Shine a light, dos Stones, como aconteceu na semana passada. Mas são momentos esparsos. O caldeirão de lixo reciclado chamado cultura pop não me diz nada: as cifras milionárias, os ídolos virtuais, os escândalos forjados. Passo ao largo dessa baboseira toda, e talvez por isso me sinta um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, para citar uma banda que amava nos meus verdes anos. E ainda amo, já que a memória afetiva, essa não se apaga.

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