domingo, 12 de abril de 2009

Admirável mundo novo?


Foram necessários menos de três meses para o mundo se dar conta de que o lema “yes, we can” se tornou mais do que uma declaração de intenções ou um slogan certeiro. Preparado, bem-intencionado e disposto a colocar em prática sua concepção de mundo, Barack Obama está pondo abaixo a crença que os Estados Unidos da América tinham de si mesmos: a de que estavam para a Terra assim como a Terra está para o Sistema Solar. Não que o país esteja abdicando deliberadamente do papel de maior potência econômica e militar mundial, nem vá deixar de uma hora para outra de interferir, inclusive militarmente, na vida política alheia. Mas, pela primeira vez, é possível entrever um princípio de alteridade nas ações do primeiro presidente negro da sua história. Seria esse, involuntariamente, um sinal do declínio do império americano? Improvável, embora se torne cada vez mais evidente que, quase duas décadas após o colapso soviético, a nação voltará partilhar a hegemonia sobre o planeta, desta vez com a China.
A verdade é que há algo em Obama que o diferencia dos antecessores, tornando ainda mais abissal a distância em relação ao último inquilino da Casa Branca, estulto, belicista, corrupto e indiferente às nossas mazelas ecológicas. Em suma: um idiota cheio de som e fúria significando nada. Em artigo publicado semana passada na Folha de S.Paulo, o colunista político Clóvis Rossi, que já esteve cara a cara com pelo menos meia dúzia de presidentes americanos, escreveu que Obama é o único de todos eles que “não exala o odor do império”. Ponto para ele. Mas de nada adiantaria esse jeitão amistoso de colega do ginásio se ele não viesse acompanhado de ações concretas, como a intervenção enérgica no sistema financeiro, que está pondo fim ao Estado mínimo e à farra inescrupulosa do capital especulativo, ou o compromisso com o Protocolo de Kyoto. Além, obviamente, do encerramento das atividades na Base de Guantánamo e a conseqüente investigação dos excessos (um eufemismo para torturas e assassinatos, inclusive de gente inocente) cometidos em solo cubano.
Seria Barack Obama a encarnação da mudança de paradigmas por que passa o mundo após a avassaladora crise econômica que teve nos EUA o seu principal estopim? Impossível responder sem a ajuda de um olhar retrospectivo, de uma luneta que enxergue o atual momento sob a ótica de um panorama futuro. Mas é fato que nunca antes – entre os grandes países capitalistas, é claro – se condenou com tanta veemência a liberdade que o sistema financeiro tinha de construir e destruir fortunas com base numa montanha de pó. Em outros tempos, esse discurso seria previamente desqualificado como coisa de esquerdistas, aquela gente chata que adora uma bandeira vermelha. Nunca antes, também, a preocupação com a devastação do meio ambiente adquiriu importância capital na alta esfera do poder mundial e no universo corporativo (e não estamos falando aqui do velho blá-blá-blá da responsabilidade social, cujo maior benefício para o planeta praticamente se resumia ao uso indiscriminado de papel reciclado). Hoje, a preservação do meio ambiente é antes de tudo uma questão econômica, e as empresas que se adaptarem mais cedo a essa realidade irão colher os louros no futuro. Mas o que Obama tem a ver com essa conversa?
Tudo. Porque, ao invés de ser uma encarnação dos novos tempos, como sugeri acima, Obama é na verdade fruto deles. Por mais que as sociedades atuais se caracterizem pela frivolidade a qualquer custo, buscando o consumo desenfreado como um moribundo busca a salvação, é possível vislumbrar um certo fastio com esse cenário, uma vontade ainda incipiente de dizer basta! (e aí o otimista que há em mim se sobrepõe ao cético). Se essa impressão corresponde à verdade, ainda não sei. Não sei sequer se estamos mesmo diante de uma mudança, por ínfima que seja. É aquela velha história de que a luz no fim do túnel pode ser um trem vindo na direção contrária para acabar de vez com a gente. Mas ao menos não temos mais George W. Bush e sua corja de panacas para atazanar nossas vidas, e isso faz uma diferença danada.

3 comentários:

Claudio Cordeiro disse...

Seu blog tá muito bom mesmo. Vc está afiado e antenado. Esse post do Obama tá um primor. Assinaria embaixo. E vou dar uma espiada naqueles sons africanos q vc recomendou em post antigo.
E eu que achei q não viveria o suficiente pra ver um presidente norte-americano negro e um brasileiro operário, errei feio nas minhas previsões.

Socorro disse...

Muito bom, Paulinho. Como diria Obama, você é o cara...

Isabel disse...

Paulo que prazer, Help me apresentou seu blog, fui direto no texto racismo, claro? não, belamente escuro. Homem branco do outro do não-Ser, conseguistes um lúcido texto, boa leitura, acresentaria que o que vc chama de (gestos e comentários indiretos ou eufemísticos)é na verdade uma construção perversa, secular,que tenta através do discurso de democracia racial embaçar qualquer medida que compense ou tente reparar esse fosso gigantesco que mantem,negros e não-brancos, nesse lugar de Não-Ser...