sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Eu não nasci para voar


Sinto um alívio danado quando fico sabendo que um acidente aéreo terminou bem, sem mortos ou feridos graves, como o que aconteceu ontem em Nova York (a aeronave afundando mansamente no rio Hudson enquanto os passageiros eram salvos pelos barcos de resgate). É quase como se eu ou alguém que amo estivesse lá, enfrentando a queda brusca, o impacto na água gelada, o pânico coletivo. Sei exatamente quando o medo de voar se apossou de mim, e até hoje não me abandonou: foi numa viagem de Porto Alegre para São Paulo, há dois anos. Enquanto ganhava altura após a decolagem, o avião descia repentinamente alguns metros, arremessando minhas vísceras direto na garganta. É uma sensação horrível, agravada pela ausência de base: não temos onde nos segurar, só resta esticar bem as pernas e grudá-las nas paredes ou nas poltronas da frente. Depois disso nunca mais viajei relaxado, e da última vez – uma plácida viagem entre Porto Seguro e Salvador – eu passei todos os 40 minutos colado na minha poltrona, olhando desesperado para baixo e dizendo a mim mesmo: “Calma, daqui a pouco você vai estar lá embaixo, falta pouco”. Em vão. Com a respiração tensa e todo o corpo retesado, eu me vi próximo de uma crise de pânico. Mal consegui pedir um copo de água à aeromoça. Depois dessa, sei que não consigo enfrentar outro vôo de peito aberto.
O medo de voar é basicamente uma manifestação irracional da nossa mente que acaba proliferando pelo corpo todo. Quando entramos num avião, nos tornamos completamente vulneráveis. Caso alguma coisa dê errado, nada que a gente faça lá dentro (berrar, rezar, chorar ou apenas fechar os olhos) vai interferir no resultado final. É essa vulnerabilidade inerente ao ser humano que me apavora. A impotência diante da possibilidade de uma morte horrível. Mas tenho certeza de que o pavor recrudesceu após os dois últimos grandes acidentes em São Paulo e no Mato Grosso (Lembro que não consegui dormir duas noites seguidas pensando nas pessoas que morreram em Congonhas, e também naquelas que as perderam). Porque, se o avião é o meio de transporte mais seguro, aqui no Brasil essa segurança está longe de ser absoluta, como todos ficamos sabendo após a crise aérea dos últimos anos, que ainda não acabou. O que até então parecia um céu de brigadeiro virou um horizonte turbulento com a revelação dos quase acidentes, da leviandade da Anac e da Infraero, da morosidade do governo, da incompetência e despreparo dos operadores de tráfego e da irresponsabilidade das companhias. Com tamanha falta de respeito ao ser humano, entrar deliberadamente num bólido que voa a mais de 500 km/h e chega a 20 mil metros de altitude não é exatamente como pegar um táxi ali na esquina. De qualquer modo, preciso me tratar desse medo. A não ser que pretenda conhecer o mundo através de livros, filmes e fotos. Pensando bem, pode até ser uma boa idéia.

2 comentários:

maria claudeia disse...

Preazado Paulo Sales,

Seu blog ratifica uma frase que carrego há muito tempo comigo..." Toda prática social eficaz é produto igualmente da paixão". (Marx).
Parabéns!... aqui do semi-árido do PI a sua mais nova admiradora.

Maria Claudeia.

Paulo Sales disse...

Muito obrigado, Maria. Seja bem-vinda ao blog.
Grande abraço.